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Análise do Projeto de Lei n° 420-2011: (In)constitucionalidade do Projeto de Lei que visa tipificar a litigância de má-fé em juizados especiais.
15-01-2016

Artigo elaborado por Armando Candido da Cruz Junior, advogado do Moura & Siqueira Advogados.


I. DA DELIMITAÇÃO DA MATÉRIA OBJETO DO PRESENTE PARECER

A consulta visa o apontamento da nossa posição jurídica acerca das nuances que envolvem o Projeto de Lei nº 420/2011, que tipifica a litigância de má-fé em juizados especiais, de autoria do Deputado Federal Carlos Bezerra.

Para tanto se observam os institutos jurídicos envolvidos, bem como o correto procedimento a ser adotado, objetivando evitar qualquer ilegalidade.

As análises e procedimentos apresentados tratam, tão somente, acerca do posicionamento jurídico, não havendo que se falar em julgamento vinculativo, uma vez que a consulta apresenta apenas um parecer sobre o tema, inexistindo qualquer decisão, haja vista que esta, deverá ocorrer exclusivamente a cargo da consulente.


II. RELATÓRIO DO PROJETO DE LEI

Trata-se de Projeto de Lei que visa apenar a litigância de má-fé nos juizados especiais cíveis e criminais. Para tanto, “acresce” o artigo 359-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, com a seguinte redação:

“Art. 359-A. Propor ação cível ou penal perante juizado especial, caracterizada como litigância de má-fé:

Pena – detenção de um a dois anos, e multa.”

Referido Projeto de Lei foi apresentado em 16 de fevereiro de 2011 pelo Deputado Federal Carlos Bezerra, que, para justificar a propositura, afirmou:

Os juizados especiais foram introduzidos no ordenamento jurídico brasileiro com o objetivo de imprimir maior celeridade aos julgamentos e facilitar o acesso à justiça.

Os juizados cíveis trazem a vantagem de permitir a propositura da ação diretamente pela parte, sem a intervenção de advogado, quanto o valor da causa não exceder vinte salários mínimos, o que estimula o exercício da cidadania e o resguardo dos direitos juridicamente tutelados.

Todavia, tem-se observado o abuso por parte de alguns jurisdicionados, que se valem dos juizados especiais para promoverem perseguições pessoais, como instrumentos de vingança contra desafetos ou mesmo para tentar obter vantagens indevidas.

Isto não só desvirtua a finalidade dos juizados, como serve de obstáculo à administração da justiça, sobrecarregando as varas dos juizados especiais.

O art. 55 da Lei nº 9.099/95 prevê o pagamento de custas e honorários, quando houver a litigância de má-fé. Todavia, esse dispositivo, por si só, não é suficiente para desestimular a propositura de ações temerosas.

Para inculcar maior temor nas partes que ingressam perante os juizados especiais de forma irresponsável e leviana, é necessário tipificar a litigância de má-fé, prevendo tal conduta como crime, sujeito ao apenamento compatível com a gravidade do delito.

Assim, incluímos no Código Penal dispositivo que considera a litigância de má-fé perante os juizados especiais cíveis e criminais como crime contra a administração da justiça, estabelecendo a pena de detenção, além de multa.

Desse modo, esperamos contribuir para o aprimoramento da justiça no Brasil, impedindo a utilização dos juizados especiais como instrumento de perseguição, de vingança e de busca de ganho fácil.

O Projeto foi encaminhado para Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, sendo designado Relator o eminente Deputado Fábio Trad, que emitiu parecer pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa e, no mérito, opinou pela aprovação, com a seguinte alteração:

“Litigância de má-fé

Art. 338-A. Propor ação cível ou penal perante juizado especial caracterizada como litigância de má-fé.

Pena – detenção de um a dois anos, e multa.”

Como não houve a votação da proposição até o fim da legislatura, o Projeto de Lei, em 31 de janeiro de 2015, foi arquivado, nos termos do art. 105, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, e, em 03 de fevereiro de 2015, com fulcro no parágrafo único do mesmo dispositivo, o Deputado Carlos Bezerra solicitou o desarquivamento.

O Projeto de Lei foi desarquivado e encaminhado novamente para Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, agora sob a relatoria do eminente Deputado Rodrigo Pacheco, que emitiu parecer pela inconstitucionalidade, injuridicidade, má técnica legislativa e, no mérito, pela rejeição.

O Autor do Projeto, Deputado Carlos Bezerra, apresentou requerimento de retirada de proposição de iniciativa individual, que foi deferido pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, nos termos do art. 104, combinado com o art. 114, VII, ambos do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

III. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

Estabelece o art. 22 da Constituição da República que “compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (…)”.

Por sua vez, o art. 48 da Carta Maior dispõe que “cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União (…)”

Além disso, prescreve o art. 61 da Carta Magna que “a iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição”.

Destarte, verifica-se que o Projeto de Lei nº 420/2011, de Relatoria do Deputado Carlos Bezerra, foi oferecido por pessoa competente para tanto, razão pela qual fica atendida a exigência de preenchimento do requisito formal de constitucionalidade para oferta da proposição.

IV. INCONSTITUCIONALIDADE DO PROJETO DE LEI

Conforme acima narrado, o Projeto de Lei nº 420/2011 visa tipificar a litigância de má-fé nos juizados especiais. Para tanto, o Autor justifica a criminalização sob o argumento de que tal medida representaria um desestímulo à propositura de ações temerárias, culminando “maior temor nas partes que ingressam perante os juizados especiais de forma irresponsável e leviana”.

Pois bem! O art. 9º da Lei nº 9.099/95 prevê que “nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória”.

Assim, pelo que se extrai da justificativa do Projeto de Lei, a criminalização visa atingir aquelas pessoas que ajuízam ações perante o juizado especial sem advogando, se beneficiando do que estabelece o dispositivo retro mencionado.

É bem verdade que existem alguns jurisdicionados que abusam dos benefícios concedidos pela Lei nº 9.099/95 e se valem dos juizados especiais para promoverem perseguições pessoais, como instrumentos de vingança contra desafetos ou mesmo para tentar obter vantagens indevidas. Mas, isso se refere à menor parte das jurisdicionados.

A norma que se pretende criar com o Projeto de Lei nº 420/2011 viola o princípio constitucional da Inafastabilidade da Jurisdição, também conhecido como “direito de ação”, que é um direito público subjetivo do cidadão, expresso na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, inc. XXXV.

O princípio da inafastabilidade da jurisdição é a principal garantia dos direitos subjetivos. Fundamenta-se também no princípio da separação de poderes, reconhecido pela doutrina como garantia das garantias constitucionais.

Segundo esclarecimentos de Alexandre de MORAES:

O Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade de ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que a toda violação de um direito responde uma ação correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue. (MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Teoria Geral. Comentários aos arts. 1o à 5o da Constituição da Republica Federativa do Brasil. Doutrina e Jurisprudência. 2. Ed. São Paulo: Atlas S. A., 1998, p. 197.)

Prescreve o artigo 5º, inc. XXXV da Constituição da República que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Assim, referido dispositivo possibilita que o jurisdicionado ingresse em ingresso em juízo para assegurar direitos simplesmente ameaçados, ou seja, a Constituição amplia o direito de acesso ao Judiciário, antes da concretização da lesão.

De acordo com Luiz Alberto David de ARAÚJO e Vidal Serrano NUNES Júnior, convém destacar que:

A mensagem normativa foi clara ao colocar sob o manto da atividade jurisdicional tanto a lesão como a ameaça a direito. Assim, conclui-se que o dispositivo constitucional citado, ao proteger a ameaça a direito, dotou o Poder Judiciário de um poder geral de cautela, ou seja, mesmo à míngua de disposição infraconstitucional expressa, deve-se presumir o poder de concessão de medidas liminares ou cautelares como forma de resguardo do indivíduo das ameaças a direitos. (ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 104).

Dessa forma, verifica-se que a criminalização da litigância de má-fé nos juizados especiais cíveis e criminais afetará a liberdade dos litigantes, uma vez que se criará um constrangimento àquele que decidir postular em juízo, até mesmo porque a parte demandada, inclusive, sempre poderá defender-se atacando o autor como litigante de má-fé.

Destarte, conclui-se, desde logo, que a norma que se pretende criar é materialmente inconstitucional por ofender direito fundamental previsto no art. 5º, inc. XXXV, da Constituição da República.

V. PROPOSIÇÃO INJURÍDICA

Além do que acima foi exposto, há que se observar que a proposição ora analisada é injurídica, ou seja, contraria preceitos jurídicos consolidados no nosso ordenamento, consoante será adiante demonstrado.

O Capítulo III, do Título XI, da Parte Especial, do Código Penal, trata dos Crimes contra a Administração da Justiça. No referido capítulo há os crimes de denunciação caluniosa e de comunicação falsa de crime ou de contravenção, tipificados, respectivamente, nos artigos 339 e 340 do Código Penal, verbis:

Denunciação caluniosa

Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei nº 10.028, de 2000)

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.

§ 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.

Comunicação falsa de crime ou de contravenção

Art. 340 - Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Além dos tipos penais acima descritos, ainda há que se levar em conta que o art. 55 da Lei 9.099/95 prevê que nos casos em que a parte litiga de má-fé serão devidos custas e honorários advocatícios. Vejamos:

Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa.

Inobstante, ainda há que se observar que a norma processual também regulamenta a matéria de forma exitosa. Prevê os arts. 17 e 18, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - o Código de Processo Civil – CPC, que:

Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

Vl - provocar incidentes manifestamente infundados.

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.

§ 1º Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

§ 2º O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.

Desse modo, não há dúvidas de que a norma vigente reprime com suficiência, as condutas que atentam contra os deveres das partes em várias situações durante o curso do processo, razão pela qual o bem jurídico que se visa proteger já é salvaguardado por outros dispositivos de lei, tornando-se baldada a proposição contida no PL nº 420/2011.

VI. AUSÊNCIA DE TÉCNICA LEGISLATIVA

A Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona.

Primeiramente, oportuno observar que a numeração dada ao artigo que se pretende criar (359-A) já existe no ordenamento jurídico brasileiro e consta do rol dos crimes contra as finanças públicas, previsto no Capítulo IV, do Título XI, da Parte Especial, do Código Penal. Portanto, a numeração do tipo penal que se pretende criar está equivocada.

Além disso, prescreve o art. 5º da Lei Complementar nº 95/1998 que “a ementa será grafada por meio de caracteres que a realcem e explicitará, de modo conciso e sob a forma de título, o objeto da lei”.

Assim, verifica-se que a redação original da ementa é imprecisa e não faz referência ao acréscimo de novo tipo ao Código Penal, razão pela qual não foi observado o que estabelece o dispositivo retro transcrito.

Ademais, destaca-se que o art. 7º da Lei Complementar nº 95/1998 dispõe que: “o primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios: I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto; II - a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão; III - o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão específica quanto o possibilite o conhecimento técnico ou científico da área respectiva; IV - o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subseqüente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa”.

Destarte, verifica-se que o artigo 1º da proposição encontra-se incompleto, pois não indica o objeto da lei e o respectivo âmbito de sua aplicação, descumprindo também o que estabelece o dispositivo retro mencionado.

V. CONCLUSÃO

Por todo o exposto, salvo melhor juízo, conclui-se que. Apesar de o Projeto de Lei nº 420/2011 ser formalmente constitucional, é materialmente inconstitucional por ofender direito fundamental previsto no art. 5º, inc. XXXV da Constituição da República.

Além disso, conclui-se que trata de proposição injurídica, uma vez que outros dispositivos legais, com êxito, protegem o bem jurídico que se pretende proteger com o citado projeto de lei.

Por fim, conclui-se que o Projeto de Lei nº 420/2011 não atendeu com precisão as normas constantes da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998.

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